15/03/2016
Lucas Rocha e Maíra Menezes
Diante das constantes descobertas feitas pela comunidade científica mundial em torno do vírus Zika, o Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), que desenvolve estudos sobre o tema em diversas abordagens, promoveu o painel ‘Zika: do diagnóstico às lesões neurológicas’. O encontro, que marcou a abertura do ano acadêmico e o início das atividades do Centro de Estudos do IOC, recebeu os pesquisadores Marco Krieger, vice-diretor de Desenvolvimento Tecnológico e Prototipagem da Fiocruz-Paraná; Tania Saad, do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz); e Osvaldo Nascimento, da Universidade Federal Fluminense (UFF), que abordaram diferentes aspectos sobre o tema. O debate, realizado na última sexta-feira (11/03), foi mediado por Wilson Savino, diretor do IOC, e Myrna Bonaldo, chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus do Instituto. A mesa de abertura contou com a presença do Presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha; da vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação da Fiocruz, Nísia Trindade Lima; e da doutoranda em Medicina Tropical do IOC e representante discente, Maria Fantinatti.
Savino comentou que um grande número de pesquisadores do Instituto está envolvido nos estudos relacionados ao vírus Zika e ressaltou a importância do compromisso com a sociedade nos trabalhos científicos. “A responsabilidade social que temos ao gerar conhecimento ultrapassa em muito a relevância de publicações e fatores de impacto. Vocês, estudantes, são o nosso objetivo porque o futuro só pode ser construído pela formação de recursos humanos de qualidade, com proficiência técnica e pensamento crítico”, disse. O histórico de contribuições da Fiocruz em momentos de crise sanitária – como a luta contra a febre amarela, a peste bubônica e a varíola no começo do século XX e o surto de meningite na década de 1970 – foi lembrado pelo presidente da Fundação. “Há momentos em que somos testados para dar o melhor de nós. Nossa meta é gerar conhecimento fundamentado e comprometido socialmente, de maneira aberta e solidária. Aos estudantes, lembro as palavras de Carlos Chagas Filho, que dizia ser um ‘aprendiz de ciência’. A ciência é um eterno aprendizado e isso é fundamental para a vitalidade nas pesquisas”, afirmou Gadelha.
A representante discente lembrou a perda de Luís Rey, pesquisador emérito da Fiocruz e um dos mais importantes parasitologistas do país, falecido no último dia 05/03, e salientou a importância do contato de jovens cientistas com pesquisadores experientes. “Cheguei à Fiocruz em 2007, como aluna de Iniciação Científica, ainda no meu primeiro ano de faculdade. Lembro que o Dr. Luís Rey sempre passava pelo Laboratório à tarde para tomar um café. Um dia descobri que se tratava do grande pesquisador que eu conhecia tão bem dos livros. O legado do Dr. Rey será eternizado em suas publicações”, destacou Maria. “O ambiente que permite um aprendizado de convívio social é fundamental para o fazer científico de qualidade. A figura do castelo da Fiocruz não significa distância, mas sim patrimônio e preservação, onde se possibilitam diálogos com os autores das nossas bibliografias”, complementou Nísia.
O auditório lotado no Pavilhão Arthur Neiva refletiu a curiosidade que o tema desperta em estudantes e pesquisadores. Para comportar o grande número de espectadores interessados em conhecer um pouco mais sobre as pesquisas desenvolvidas em torno do vírus Zika, o encontro foi transmitido em um telão no saguão do auditório e via streaming na internet. “Ainda temos muito o que aprender e refletir sobre o vírus Zika, tanto pesquisadores como os estudantes. Um espaço de diálogo como este reforça o nosso papel que é garantir o aprendizado contínuo e a escolha do tema vai ao encontro da complexidade e diversidade de abordagens sobre o assunto”, enfatizou a vice-diretora de Ensino, Informação e Comunicação do IOC, Elisa Cupolillo.
Esforço conjunto
Para dar início às discussões, Myrna apresentou as características básicas do vírus Zika, um flavivírus da família Flaviviridae identificado pela primeira vez em 1947, em Uganda, na África. Segundo a virologista, até 2007, o vírus estava restrito à África e à Ásia, vindo a causar epidemias entre 2013 e 2014 na Polinésia Francesa, Nova Caledônia, Ilhas Cook e Ilhas da Páscoa, na Oceania. Myrna lembrou que o primeiro caso autóctone nas Américas foi relatado em maio de 2015, no Brasil, quando a zika foi considerada uma doença branda e com cerca de 75% de casos assintomáticos. Ainda segundo a pesquisadora, o alerta para o perigo do vírus surgiu devido ao aumento de casos de malformações congênitas e complicações neurológicas em adultos, em novembro de 2015. Recentemente, Myrna liderou um estudo que constatou a presença do vírus Zika ativo (com potencial de provocar a infecção) em amostras de saliva e de urina. A evidência inédita sugere a necessidade de investigação da relevância destas potenciais vias alternativas de transmissão do vírus Zika. “Ainda temos muitos desafios neste cenário, como o estabelecimento dos mecanismos de transmissão, o entendimento da biologia do vírus, o desenvolvimento de métodos diagnósticos, terapêuticos e preventivos e de políticas públicas de suporte às gestantes, às mães e crianças com microcefalia e aos indivíduos afetados pela Síndrome de Guillain-Barré”, concluiu.
O impacto das malformações
Vírus Zika, microcefalia e as consequências para o desenvolvimento neuropsicomotor são alguns dos temas que têm dominado a rotina de Tania, especialista em neurologia infantil. A pesquisadora do IFF destacou as implicações do vírus Zika sobre o desenvolvimento fetal. “A infecção em grávidas tem causado efeitos devastadores que vão do aborto à gestação de fetos com malformações, como alterações na formação do tubo neural, do córtex e na migração neuronal, por exemplo”, explicou. Tomografia, ressonância, eletroencefalograma, dentre outros exames neurológicos, são necessários para compreender o modo como a microcefalia tem acometido crianças, apontou Tania. “Quando uma criança nasce, o sistema nervoso ainda está em fase de desenvolvimento – estes exames permitem dimensionar consequências de uma infecção que incluem déficits na memória, afetividade e comportamento social, e dificuldades de aprendizagem”, explicou Tania, ressaltando o acompanhamento pós-natal de mães e crianças como fundamental nos primeiros anos de vida. Atualmente, o IFF atua como uma ponte entre as pesquisas desenvolvidas sobre o vírus Zika, os estudos sobre microcefalia e o atendimento prestado às gestantes e crianças. “Buscamos acolher as mães para que elas se sintam seguras neste momento. Até mesmo diante das incertezas é preciso lidar da forma mais transparente possível”, concluiu Tania.
Desenvolvimento tecnológico
Além de avanços no conhecimento científico, o enfrentamento do vírus Zika depende do desenvolvimento tecnológico. O tema foi abordado por Krieger, um dos responsáveis pelo projeto do Kit NAT Discriminatório para Dengue, Zika e Chikungunya. Idealizado pelo IOC, o teste foi desenvolvido em parceria com o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP), a Fiocruz-Paraná, o Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (Fiocruz-Pernambuco) e o Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz). O método permite a identificação simultânea do material genético dos três vírus, o que evita a necessidade de processamento de três exames separados para realizar o diagnóstico diferencial entre as infecções. De acordo com Krieger, a experiência na fabricação do kit NAT brasileiro para detecção de HIV e HCV em bancos de sangue permitiu desenvolver rapidamente um produto com alto padrão de qualidade. “Aproveitamos nossa competência tecnológica e capacidade de produzir em ‘boas práticas de fabricação’ para desenvolver um método que permite testar, em uma única placa, amostras de 30 pacientes para as três doenças. Uma vez que, em cada lote, avaliamos a qualidade dos insumos individualmente e de forma combinada, podemos garantir o desempenho do teste em qualquer laboratório”, comentou o pesquisador.
Síndrome neurológica
Registrado em nove países segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o aumento de casos da Síndrome de Guillain-Barré acarreta desafios científicos e de saúde pública na opinião de Nascimento, neurologista que acompanha pacientes internados no Hospital Antônio Pedro, da UFF. Segundo ele, foi observado um aumento de 18% nos casos da doença no Brasil de 2014 para 2015. Marcada por alterações de sensibilidade e fraqueza muscular, a enfermidade pode evoluir para quadros graves, com prejuízo da função respiratória e necessidade de internação em unidades de terapia intensiva. Além disso, nos casos em que o tratamento com imunoglobulina é necessário, o custo da terapia pode chegar a R$ 30 mil em cinco dias. Segundo Osvaldo, uma vez que a doença pode regredir espontaneamente, a avaliação clínica adequada é fundamental para verificar a necessidade do medicamento e da internação dos pacientes. “O quadro pode se estabelecer rapidamente, em um prazo de 24 horas a 72 horas. Portanto, o tratamento deve ser iniciado com base nos achados clínicos, mas é preciso fazer uma avaliação da escala de capacidade do paciente para estabelecer a terapia adequada”, explicou o neurologista. Nascimento acrescentou ainda que novas pesquisas são importantes para investigar os fatores envolvidos na manifestação da síndrome de Guillain-Barré associada ao vírus Zika. “Mesmo com o aumento de casos registrado, essa é uma doença rara. E por que apenas poucas pessoas desenvolvem a síndrome de Guillain-Barré? Provavelmente, isso está ligado a características imunológicas, que são determinadas geneticamente. Esses fatores imunogenéticos, envolvidos em uma reação exacerbada contra o vírus Zika precisam ser estudados”, disse o pesquisador, acrescentando que a UFF e o IOC já firmaram uma parceria para realizar pesquisas nesta linha.