10/08/2017
Apesar de um oceano de distância, há quase uma década Brasil e Moçambique atuam juntos na formação de uma geração de novos cientistas africanos, dedicados às questões de saúde locais. O Programa de Cooperação Internacional de Pós-graduação em Ciências da Saúde é resultado de uma parceria entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e o Instituto Nacional de Saúde de Moçambique (INS). A iniciativa, que oferece mestrado e doutorado nos Programas de Pós-graduação Stricto sensu do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), formou mais 14 estudantes em julho. Com isso, soma mais de 40 alunos ao longo dos nove anos de parceria.
“Levar nossos cursos de mestrado e doutorado para Moçambique é um ato de solidariedade a um país carente de formação em pós-graduação, além de ser muito gratificante. Isso é traduzido em melhorias na qualidade da pesquisa realizada localmente, com impactos diretos na saúde do povo moçambicano”, destaca Renato Porrozzi, pesquisador do Laboratório de Pesquisa em Leishmaniose do IOC e coordenador do Programa.
Os novos mestres comemoram a conquista ao lado de pesquisadores que atuam como orientadores e docentes da iniciativa
O perfil dos estudantes é variado, incluindo profissionais que atuam na saúde pública em diferentes províncias. Tendo em vista essa pluralidade de origens, os projetos de pesquisa dos alunos compõem um verdadeiro mosaico. “Os estudos desenvolvidos no contexto das dissertações e teses dos estudantes contribuem para preencher lacunas no conhecimento científico, com destaque para investigações acerca de doenças infecciosas como malária, Aids e parasitoses intestinais”, explica Renato. Vírus influenza e sincicial, enterovírus, hepatite B, malária, dengue, HIV, leptospirose e hantavírus foram alguns dos temas defendidos pelos estudantes da quarta turma de mestrado da parceria Brasil-Moçambique.
As aulas são ministradas por pesquisadores das duas instituições, sendo a maior parte dos encontros realizada na sede do INS, em Maputo, capital de Moçambique. Já nos Laboratórios do IOC, no Rio de Janeiro, os estudantes desenvolvem aspectos práticos dos projetos, como a análise de amostras.
Contribuição para os esforços de eliminação da filariose linfática
Do trabalho de pesquisa nas bancadas dos Laboratórios, nascem projetos como o de Henis Mior, um dos mais novos mestres da parceria, que apresentou resultados de um estudo sobre a filariose linfática. Considerada doença negligenciada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a filariose linfática faz vítimas tanto em Moçambique quanto no Brasil. Henis investigou um tema com interface direta com a saúde pública: a eficácia do protocolo de tratamento em massa, que vem sendo preconizado nos esforços de eliminação da doença. Segundo esse protocolo, um conjunto de pessoas recebe a medicação mesmo sem diagnóstico individual tendo em conta o alto índice de transmissão na localidade.
O estudo foi baseado em um levantamento realizado na cidade de Murrupula, província de Nampula, em Moçambique, com a participação de mais de 670 pessoas. Os testes consideraram aspectos que indicam a persistência da infecção no paciente seis meses após a administração da primeira dose do tratamento. Os resultados sugerem que a dose única da medicação não proporciona redução significativa da presença de parasitos nas fezes dos pacientes tratados e nem do antígeno no organismo. “Os dados da pesquisa poderão ser utilizados para avaliar o alcance de metas da campanha, que é de grande importância para a saúde pública em Moçambique. Há, ainda, a oportunidade de mensurar o impacto de grandes programas de tratamento em áreas carentes de recursos, que apresentam grandes dificuldades logísticas”, destaca o pesquisador do IOC Adeilton Brandão, que orientou a apresentação dos resultados do projeto juntamente com Ricardo Thompson, pesquisador do INS e coordenador do projeto em Moçambique. “O mestrado é bem-vindo para os profissionais de saúde e pesquisadores em geral, por trazer melhorias no desempenho da pesquisa e docência na área de saúde. Pretendo continuar os estudos a partir do monitoramento da infecção pela filariose linfática, até a declaração da eliminação da doença no país”, ressalta Henis, comemorando o título alcançado.
Veterano elege a genética em estudos sobre tuberculose e hepatites
A trajetória do estudante Nédio Jonas Mabunda é um exemplo do estímulo à produção científica e acadêmica em Moçambique por meio da cooperação internacional. Pesquisador do Instituto Nacional de Saúde, Nédio é um veterano da iniciativa: concluiu o mestrado em 2013 e, agora, está no doutorado.
No projeto de mestrado, investigou a associação entre as características genéticas do hospedeiro e o desenvolvimento das manifestações da tuberculose. O estudo observou, em especial, o comportamento de algumas citocinas, moléculas responsáveis pela sinalização entre as células durante reações imunes. Os resultados apontaram que algumas características da citocina ‘fator de necrose tumoral’ estão relacionadas a um maior risco na evolução da doença. No projeto conduzido ao longo do doutorado, o tema é novamente a genética: as mutações que influenciam no desenvolvimento da infecção por hepatite B, doença endêmica em Moçambique, e uma das principais causas do câncer de fígado no país. “Iniciei minha atividade profissional no Laboratório de Virologia Molecular do INS e sempre tive paixão por genética. Olhei para o mestrado como uma oportunidade de aprendizado específico na área de pesquisa, aliado à minha área de trabalho e paixão. Hoje, o doutorado é um instrumento importante para a fortificação da minha carreira científica”, destaca Nédio.
Reportagem: Lucas Rocha
Edição: Raquel Aguiar
03/08/2017
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